quarta-feira, 27 de julho de 2011

Vidas a mais.

E acordou naquele dia como em todos os outros, abriu os olhos. Pensava na vida e em tudo em que havia pensado na noite anterior, estava bem fisicamente, mas a quem ele iria enganar? Isso não possui valor algum. Não fazia frio, no entanto àquela hora do dia a água no chuveiro ainda corria gelada, tomou um banho rápido, vestiu sua calça jeans favorita e pôs uma camisa branca, nada surpreendente...

Apanhou alguns documentos que estavam sobre a mesa, tentou lembrar-se de tudo que teria que fazer durante o dia, não conseguiu, abriu a porta e ganhou a rua, mais um dia na mesma vida, nada surpreendente...

O dia estava morno, a vida estava morna a mais tempo, percorria o mesmo caminho até o ponto de ônibus desde tempos imemoriáveis (palavras bonitas só para enfeitar o texto). Cantarolava mentalmente uma canção que falava sobre amor, divagava à cerca do amor, de amar e de como seria a vida caso não perdesse tanto tempo pensando nisso(amor) e refletiu se existiria alguma vida sem isso(amor). Enquanto isso o ônibus seguia (sem nenhuma surpresa) seu eterno percurso até a parte baixa da cidade. Todas as dúvidas sobre “ser” e “ter” estavam lá (na sua cabeça, e sem respostas no mundo real), mas apesar disso, com tudo o que sua mente construía, com tudo o que sentia seu coração, não conseguia ser nada além de mais um, uma outra pessoa espremida entre outras tantas num ônibus em situações, no mínimo, contestáveis. Nada (ao que parece) o surpreenderia naquele dia... E pensava se algum dia na vida seria surpreendido.

Chegou ao seu destino, fez o que precisava, recebeu o que merecia e seguiu o caminho. Pegou a segunda condução do dia, estava voltando para sua casa (que há muito tempo não lhe proporcionava mais o prazer do lar), idéias que ultimamente freqüentavam com certa freqüência sua mente, pensava que já era muito tarde para ainda estar sofrendo amores com três anos de atraso, sabia que por mais que ela quisesse, e tentasse, não poderia salvá-lo, foi justamente quando pensava em salvação que no fundo do ônibus um rapaz de aproximadamente 18 ou 19 anos se levantou e anunciou o assalto! O motorista do coletivo imediatamente freou o ônibus e abriu as três portas do mesmo, em meio a muita confusão todos tentaram sair pela porta que estivesse mais próxima, confuso e assustado o assaltante bradou para que as pessoas parassem ou iria atirar.

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A pobre alma que é centro dessa história estava a poucos passos do assaltante, e em meio a confusão tentou fugir pela porta central do ônibus, quando se escutaram três disparos.

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Alguns poucos minutos depois a primeira confusão havia sido contida, o assaltante já havia sido detido pela polícia sem maiores tragédias. Porém outra confusão já estava se formando (o que é natural nas pequenas tragédias cotidianas) onde jornalistas se espremiam para colher informações a cerca da pequena tragédia, os exaustos e (não tão) heróicos policiais tentavam conter esta segunda confusão com pouco êxito.

Ambos os pólos daquela antagônica e generalizada confusão (policiais e jornalistas) pareciam estar acostumados com a rotina de tragédias menores como aquelas, não havia nada de surpreendente. Uma mãe desesperada chorando por cima de um corpo coberto por um pano branco, outros parentes chorando, outras pessoas que choravam só por ver uma pessoa morta, nada demais. Um dos policiais pensava no jogo de futebol de logo mais a noite e se o time conseguiria chegar as finais do campeonato, já um jornalista perdido no mar de pessoas escrevia em um notebook as primeiras informações, enquanto isso pensava em ir para casa naquela noite e ver a esposa que tanto amava, e também na parcela das última compras feitas pela internet, “a vida até que não ia mal” foi o pensamento que passou pela sua cabeça.

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Em algum lugar na mente de alguém, na hora em que os três tiros atingiram aquele corpo, percebeu-se que naquela morte havia uma beleza bastante emocional, mas não onde você pode estar pensando, não nos sentimentos de um adolescente abobalhado de paixões mal resolvidas e vítima de alguns problemas sócio-econômicos, mas viu-se o belo que estava no contraste entre a mancha de sangue vermelha em suas costas e a cor branca de sua blusa, "era belo". Foi o que pensou.

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As primeiras informações que surgiram sobre o caso sugeriam que o crime poderia ter sido encomendado e que o assassinado poderia estar envolvido com o tráfico, pelo fato de uma certa quantia de dinheiro ter sido encontrada em seu bolso, mas logo o boato foi desmentido, o dinheiro era a indenização que o indivíduo recebera de sua recente demissão.

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4 comentários:

  1. "Pegou a segunda condução do dia","O motorista do coletivo" --- precisava evidenciar isso!! \o/
    Adoreiiiii... =D

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  2. Parabéns pelos detalhes e pelas várias brechas de interpretação que ficam neles, Artur. Parabéns mesmo.

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  3. A progressão tá bacana, a história está interessante e originalmente bem contada.

    "Descobriram depois que o assassino era um ex-agente da KGB, sulista e que o tiro acertou o olho do pobre jovem." <3

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  4. Como o sulista da KGB acima comentou, a progressão, a história e o texto em si estão muito bons. Escrita fluida, fácil de ler... Gostei bastante da história, do rumo que ela tomou, dos detalhes. Gostei mesmo. =)

    E fiquei meio triste com o fim :/

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